As histórias mais sombrias dos bastidores do poder e da justiça tocantinense estão sendo reveladas aos poucos pelo desembargador aposentado
Liberato Póvoa, o mesmo que foi alvo da Operação Maet da Polícia Federal que investigava venda de sentenças no TJ-TO. Atualmente, advogado, jurista e historiador, Póvoa começou a tirar o sono de muitos mandatários do Estado ao escrever artigos relatando fatos que pouquíssimas pessoas teriam coragem de contar. O mais recente, Póvoa conta em seu
site pessoal e também no seu
perfil do Facebook detalhes de uma suposta trama que teria sido arquitetada pelo então governador Siqueira Campos, na década de 90, para ceifar a vida do desembargador
Antônio Félix, que era de Araguaína e faleceu em março do ano passado. Um documento contendo todo o relato da trama teria inclusive sido registrado no Cartório do 2º Ofício de Miracema do Tocantins, em 06/11/1990, protocolado no Livro 1, Fls.181, sob o nº 674, e registrado no Livro B-3, às. Fls. 67, sob o nº 590. O desembargador começa a história afirmando que "não é segredo que Siqueira Campos usava de todos os expedientes, legais e ilegais (principalmente) para manter-se empoleirado no poder. Mas quase ninguém sabe que ele chegou ao ponto de encomendar a morte de um dos desembargadores no distante ano de 1990, por não seguir sua cartilha". Ele conta que Antônio Félix sempre assumiu uma postura de total independência, e isto incomodava o governador Siqueira Campos.
“Antônio Félix jamais foi à casa do mandatário, jamais aceitou qualquer benesse ou favor governamental. E não aceitando nada, ficava à margem de qualquer tentativa de acordo com o Governo. O objetivo de Siqueira era expelir Antônio Félix do Tribunal e colocar no seu lugar o Dr. Clarismar Fernandes, então Secretário-Chefe da Casa Civil, advogado, e, como tal, podia ser indicado para a vaga”, conta. Póvoa conta também como soube do suposto plano para tirar a vida do desembargador.
“Ainda em Miracema, funcionando o Tribunal no Fórum adaptado, certo dia o desembargador José Maria das Neves, que ainda era muito amigo de Antônio Félix, por serem velhos conhecidos, morarem em Araguaína e virem semanalmente no mesmo carro para as sessões da Corte, chegou apavorado e lhe indaguei a razão daquilo: – O Governador quis aposentar o “Boca de Burro” (que era o apelido de Antônio Félix na intimidade), para dar o lugar pra Clarismar! – disse, preocupado. – Aposentar, como? – quis saber. – Propôs conseguir um atestado médico de invalidez, mas o Boca “empinou a carroça”. Póvoa afirma que, nessa época, era o presidente do Tribunal e foi chamado ao Palácio Araguaia (que funcionava em um colégio adaptado na capital provisória - Miracema) para tratar de um "assunto importante".
"Fui, quando ele me disse que tinha uma missão para mim: conseguir um laudo de uma junta médica que comprovasse a invalidez de Antônio Félix, mas sem declinar-me a razão do pedido. Disse a ele que aquilo era impossível, pois Antônio Félix nunca demonstrara qualquer indício de doença, além de ser um ato que implicaria em crime de falsidade ideológica. E recusei-me a atender seu pedido, e em razão disso vi a fúria do mandatário, que – acostumado a mandar e a ser obedecido – viu ser repelida uma determinação sua", conta. Segundo
Liberato Póvoa, depois disso, Antônio Félix passou alguns dias sem ir ao Tribunal e depois ficou sabendo que Siqueira Campos teria combinado com o delegado Leão Lopes Júnior, recém-empossado secretário da Segurança Pública, de mandar sequestrar e matar Antônio Félix no percurso Araguaína/Palmas. O secretário, então, teria designado o agente de polícia Edgar Passos dos Reis, então Presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Tocantins (SIPOCITO) para desincumbir-se da missão, em troca de promoções na Polícia, além de “ganhar bastante dinheiro e ´status´, pois passaria a ser um policial de elite”. O desembargador continua o relato:
“Corria o ano de 1990, segundo semestre. Leão, dizendo-se homem de confiança de Siqueira Campos, de quem, com “carta branca”, tinha recebido a tarefa de acabar com a vida do desembargador Antônio Félix, chamou Edgar e passou-lhe a incumbência, uma vez que Edgar já realizara com presteza outros serviços para o secretário, quando delegado”. Segundo ele, o plano desdobrava-se em duas alternativas. A primeira: era simular um acidente rodoviário, em que Edgar deveria sabotar o carro de Antônio Félix em Araguaína, e quando ele estivesse dirigindo-se a Palmas, era para jogar o carro do desembargador fora da estrada, e, caso ele não morresse, homens de Edgar, a pretexto de prestarem socorro à vítima, iriam matá-la a pancadas a caminho do hospital, o que ficaria por conta do acidente. Mas havia uma segunda alternativa: como Leão conhecia pistoleiros no Pará, já tinha acertado com eles para virem ao Tocantins e sequestrarem Antônio Félix; em seguida, depois do sequestro, e sabendo onde os sequestradores estavam escondidos com o sequestrado, primeiramente Leão iria levantar o valor de um resgate simulado, a ser pago pelo Governo, no montante de 20 milhões de cruzeiros (moeda da época), e como o sequestro seria notícia de repercussão nacional, ele acionaria um grupo operações especiais de resgate, que, sob o comando de Edgar, tentaria libertar Antônio Félix e que, segundo o secretário Leão, infiltraria no grupo alguns atiradores de elite, invadiria o cativeiro, eliminaria os sequestradores, assim como o refém. Caso alguma coisa saísse errado, um eventual sobrevivente seria morto a caminho do hospital, para não sobrar testemunha. Ou mesmo “suicidaria” na cadeia, como ocorrera com um bandido chamado “Chocolate”, que na época morrera na cadeia, vítima de “suicídio”, segundo a versão policial. Póvoa afirma que Edgar, quando viu a magnitude e as possíveis consequências do diabólico plano, 'amarelou' e desistiu. Mas antes, em 23/10/1990, fez uma extensa e minuciosa denúncia ao então presidente da OAB-TO, Dr. Augusto de Souza Pinheiro, contando todos os detalhes da trama. E, com receio de que sua comunicação fosse extraviada, foi ao Cartório “Boanerges Moreira de Paula”, do 2º Ofício de Miracema do Tocantins e registrou o documento, em 06/11/1990, protocolado no Livro 1, Fls.181, sob o nº 674, e registrado no Livro B-3, às. Fls. 67, sob o nº 590 (tenho em mãos a certidão, com seis laudas).
"Quem quiser, é só pedir a certidão no Cartório", diz ele. Segundo o desembargador, com a desistência, Edgar passou por uma perseguição por parte não sei de quem, quando até seu cão de guarda foi morto, como uma espécie de aviso. Depois, deixou a Polícia e passou a ser oficial de Justiça em Gurupi. Póvoa diz que o STJ até chegou a autorizar uma investigação anos atrás, mas infelizmente o caso estava prescrito. O desembargador aposentado finaliza afirmando que Antônio Félix sobreviveu, mas ficou registrado na História o “
modus operandi” de quem tudo fazia para manter-se no poder. O
AF Notícias entrou em contato com a assessoria do ex-governador e a nota informa que Siqueira Campos não irá comentar o caso.